fonte: Folha de SP
por Cláudia Collucci, repórter especializada em Saúde
É bem-vinda a iniciativa do Ministério da Saúde de adotar protocolos de enfermagem no SUS, permitindo que esses profissionais assumam funções mais clínicas na atenção primária, como consultas e prescrição de remédios, mas é fundamental que eles estejam bem capacitados para assumir essas novas funções.
E isso deve começar já nos bancos das faculdades. Em Florianópolis (SC), capital pioneira na implantação dos protocolos, os estudantes de enfermagem têm aulas práticas nos postos de saúde desde o primeiro ano da graduação.
Depois, quando formados, são encorajados a fazer residência em saúde de família e comunidade para se especializarem ainda mais na atenção primária. O resultado disso tem sido a ampliação do acesso e da resolutividade no SUS, mais testes e diminuição das filas de espera de consultas.
Enquanto o país patina na redução dos casos da sífilis, em Floripa, a partir do momento em que a enfermagem foi treinada para o diagnóstico e tratamento da doença, o número de testes rápidos quadruplicou e todas as gestantes infectadas foram tratadas até o fim da gestação.
Os profissionais dos municípios catarinenses que estão adotando os protocolos criados na capital também estão sendo treinados para a empreitada.
Mas, assim como ocorre na medicina, a expansão desenfreada dos cursos privados de enfermagem no país, especialmente os EAD (educação à distância), tem gerado grande preocupação, ainda maior neste novo cenário.
É difícil imaginar que um enfermeiro formado à distância tenha condições necessárias para assumir responsabilidades de diagnóstico e de prescrição, por exemplo.
As entidades de enfermagem vêm se posicionando contrárias aos cursos EAD há muito tempo. Até o ano passado, os 1.202 cursos de enfermagem no país ofereciam 173.752 vagas, sendo 106.840 à distância.
Já a Associação Brasileira de Educação a Distância (Abed) defende a modalidade, dizendo que o EAD democratiza a educação e aproxima a tecnologia dos profissionais.
Os enfermeiros retrucam que não é possível formar um profissional à distância porque enfermagem é uma ciência de gente para gente, ou seja, impossível falar de enfermagem sem o contato humano.
O Cofen (Conselho Federal de Enfermagem) já disse com todas as letras que há um objetivo claramente comercial de grupos privados de educação a distância em detrimento da preocupação com a qualidade dos cursos. Há propostas, inclusive, de terceirização de polos de apoio presencial.
Ao mesmo tempo, está em tramitação um projeto de lei federal que obriga que a formação para profissionais da enfermagem seja exclusivamente em cursos presenciais.
As diretrizes nacionais de educação não permitem nenhum curso de enfermagem totalmente a distância, mas, em 2018, só em Minas Gerais, haviam 2.000 vagas de cursos de nível superior nessas condições.
Em tese, os estágios supervisionados nos cursos EAD também deveriam ser sempre presenciais, de acordo com as normas vigentes. A questão que, independentemente do que está no papel, não há fiscalização.
No processo de implantação dos protocolos de enfermagem, certamente veremos outros entraves, como a resistência das entidades médicas, e o fato de que o programa Farmácia Popular não aceita a prescrição da enfermagem. Se o paciente chega com receituário de um enfermeiro, não recebe o remédio.
Mas se o país quer mesmo avançar rumo a uma atenção primária mais forte e resolutiva, a participação da enfermagem “ombro a ombro” com o médico é fundamental. Ninguém tá inventando a roda. Há revisões e mais revisões internacionais apontando nessa direção. Queiram ou não os corporativistas de plantão.